Chacina de Pau D’arco, a maior reconstituição de crime já realizada no Brasil
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Chacina de Pau D’arco, a maior reconstituição de crime já realizada no Brasil

Peritos da Polícia Federal e do Centro de Perícias Científicas “Renato Chaves” realizaram a reprodução simulada para esclarecer o crime conhecido como chacina de Pau D’arco. Segundo a polícia, essa é a maior reconstituição da história da investigação criminalística brasileira.

O Perito Criminal Federal e professor do curso de Pós-graduação em Ciências Forenses e Perícia Criminal do IPOG, Jesus Antônio Velho, coordenou essa perícia de reprodução simulada e nos contou detalhes dessa importante investigação policial. Confira!

Chacina de Pau D’arco

No dia 24 de maio desse ano, 10 trabalhadores rurais foram assassinados na Fazenda Santa Lúcia, localizada no município de Pau D’arco, no sudeste do Pará.

As terras dessa fazenda são disputadas entre posseiros e proprietários. O crime aconteceu durante o cumprimento de mandados de prisão realizado por um grupo de 29 policiais contra 14 suspeitos envolvidos em um homicídio de um segurança da fazenda ocorrido em abril.

Na época do crime, os policiais relataram que os trabalhadores rurais tinham posse de armas e que os receberam na fazenda com tiros. E então, diante disso, os policiais revidaram. Após esse confronto de disparos, foi constatada a morte de 10 trabalhadores rurais e nenhum policial foi ferido.

Já os familiares das vítimas e testemunhas defendem que a apropriação do terreno era pacífica e que os policiais iniciaram a operação de forma agressiva e atiraram contra os posseiros presentes.

Porém, após a investigação da Polícia Federal, de acordo com os resultados da perícia, foi detectado que não houve confronto, e sim uma execução planejada pelos policiais contra os trabalhadores rurais.  Confira como foi realizada a perícia:

Passo a passo da reprodução simulada

O trabalho de reconstituição do crime durou uma semana e contou com a participação de 50 policiais e peritos e 50 atores que refizeram a simulação várias vezes em diferentes locais da fazenda. Um drone foi utilizado para mapear a área e todas as informações e ações foram registradas por fotos e vídeos.

Os peritos ouviram 5 testemunhas e 24 dos 29 policiais envolvidos. Cada detalhe das versões relatadas pelos policiais e pelas testemunhas sobreviventes foi reproduzido individualmente e de forma isolada.  Os fatos das duas versões foram narrados aos peritos que depois repassaram para um grupo de atores simularem as ações.

“Cada envolvido teve a oportunidade de reviver minunciosamente cada detalhe que ocorreu no dia dos fatos. Após isso, confrontamos cada uma das versões entre si e com os laudos de necropsias, laudos de local de crime, laudo dos veículos, laudos de Balística e todos os demais vestígios encontrados” afirma o professor do IPOG.

Todas as informações relatadas foram também cruzadas com os resultados de testes feitos pelos peritos na área da fazenda. Um dos testes realizados foi o do Luminol.

“O Luminol é uma substância que detecta a presença de sangue latente (não visível a olho nú) mesmo em condições desfavoráveis para a identificação. Com a realização desse teste constatamos a presença de muito sangue em um determinado local da fazenda onde as mortes teriam ocorrido”, explica Jesus Antônio Velho.

Jesus Antônio Velho, Perito Criminal Federal e professor do curso de Pós-Graduação em Ciências Forenses e Perícia Criminal do IPOG.

Principais resultados da reprodução simulada

O laudo de reprodução simulada da chacina de Pau D’Arco, com mais de 120 páginas, apresentou a seguinte dinâmica provável para os fatos:

Quando os policiais chegaram à fazenda, os trabalhadores rurais estavam em uma área denominada de acampamento 1, a 600 metros da Sede da fazenda. Quando os trabalhadores perceberam a chegada da polícia, eles iniciaram fuga na mata, durante a fuga começou a chover e os posseiros foram para outra área nomeada de acampamento 2 (situado entre Palmeiras) e estenderam uma lona para se protegeram da chuva, ficando embaixo dela.

Já os policiais quando chegaram à Sede da fazenda e não encontraram os posseiros, se dividiram em grupos para caça-los, um grupo seguiu a pé para o interior da fazenda e os demais em viaturas para procurar os acampados.

Os policiais que seguiram a pé encontraram rastros deixados na mata, e chegaram até o  acampamento 2, onde visualizaram os posseiros embaixo da lona. Iniciou uma primeira sequência de disparos à distância.  Após os disparos a distância, alguns posseiros foram feridos, alguns fugiram e outros foram rendidos. Mataram 10 trabalhadores rurais: nove homens e uma mulher. Os policiais retiraram os corpos do local antes da chegada da perícia.

“Nós não encontramos elementos para provar taxativamente que os trabalhadores rurais efetuaram disparos ou que reagiram de alguma forma. Os exames residuográficos nas mãos dos posseiros foram negativos, não houve marcas de impactos nos coletes dos policiais.

Foram encontrados estojos das armas de posseiros, mas temos depoimentos de policiais que afirmam que outros policiais atiraram com armas dos posseiros.  A maioria dos tiros atingiram regiões vitais como região do tórax, abdômen e cabeça; houve tiros a curta distância; não há elementos que sugerem reação dos posseiros, a soma desses fatores é um indício forte de execução”, esclarece o professor do IPOG.

Os resultados da reprodução simulada foram apresentados em uma coletiva de imprensa no dia 28 de agosto na Sede da Secretaria de Segurança Pública do Pará, o professor Jesus Antônio Velho fez uma apresentação com as conclusões da Perícia.  A Polícia Federal indiciou 14 policiais pela chacina de Pau D’Arco.

“Trabalhamos em busca da verdade para promover a Justiça. A reprodução simulada é um exame pericial de extrema importância para a conclusão do inquérito desse crime. A partir desse exame foi possível entender o que aconteceu de fato e elucidar toda a ação criminosa, individualizando inclusive as condutas dos policiais que participaram da operação.

Toda a equipe pericial (mais de dez peritos) teve dedicação exemplar, chegando a trabalhar 16 horas por dia para terminar o laudo no prazo necessário”, destaca Jesus Antônio Velho.

O excelente trabalho pericial foi destaque no programa Fantástico da Rede Globo, confira aqui o vídeo da reportagem.

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Sobre Jesus Antônio Velho

Perito Criminal Federal, atuando nas áreas de Análises de Locais de Crime, Química Forense, Balística Forense, entre outras. Em relação às atividades de ensino, é Professor Doutor de Criminalística da Universidade de São Paulo (USP), e professor convidado da área de Locais de Crime na Academia Nacional de Polícia. É Presidente da Sociedade Brasileira de Ciências Forenses, 2015/2017. É autor organizador da série de livros “Criminalística Premium” da editora Millennium. É professor do IPOG nos cursos de pós-graduação em Ciências Forenses e Perícia Criminal e também Computação Forense e Perícia Digital.