Transtornos alimentares afetam 15 milhões de brasileiros: até onde vai a influência das redes sociais?

Você já pensou no que realmente te leva a comer? Fome, prazer, ansiedade, tristeza, controle? Para milhões de pessoas no Brasil e no mundo, a alimentação deixou de ser um ato natural e tornou-se um território de conflito com o corpo, com a mente e com a sociedade. Os transtornos alimentares estão entre as condições psiquiátricas mais complexas da atualidade, e silenciosamente, vêm crescendo em todas as faixas etárias, afetando principalmente adolescentes e mulheres.

Estima-se que mais de 70 milhões de pessoas no mundo vivem com algum tipo de transtorno alimentar, segundo dados da Associação Brasileira de Psiquiatria. No Brasil, cerca de 15 milhões de pessoas são afetadas por essas condições, que incluem anorexia, bulimia, compulsão alimentar e outros distúrbios que comprometem gravemente a saúde física e mental.

Muito além do que está no prato, os transtornos alimentares refletem uma relação emocional e subjetiva com a comida, marcada por dor, culpa, distorções de imagem corporal e sofrimento psíquico.

Neste artigo, vamos entender o que são os transtornos alimentares, como se manifestam, quais fatores contribuem para seu surgimento, e como a psiconutrição pode ajudar pacientes e profissionais da saúde a enfrentarem esse desafio.

O que são transtornos alimentares?

Os transtornos alimentares são condições psiquiátricas que envolvem alterações persistentes no comportamento alimentar, com consequências físicas, emocionais e sociais. Embora os mais conhecidos sejam a anorexia nervosa, a bulimia nervosa e a compulsão alimentar periódica, há outras manifestações clínicas menos divulgadas, como a ortorexia (obsessão por saúde alimentar) e a vigorexia (obsessão por musculatura e atividade física).

Hoje, 1 em cada 20 brasileiros convive com algum tipo de transtorno alimentar, segundo dados apresentados em audiência pública na Câmara dos Deputados. Entre adolescentes de 6 a 18 anos, 1 em cada 5 já apresenta sinais da condição.

O cenário é ainda mais alarmante entre meninas: 1 em cada 3 adolescentes brasileiras sofre com algum grau de distúrbio alimentar. Apesar dos números assustadores, muitos desses casos seguem sem diagnóstico e sem tratamento adequado.

De acordo com Marta Valente, professora e coordenadora da pós-graduação em Comportamento Alimentar e Psiconutrição do IPOG, o comportamento alimentar é uma construção multifatorial e profundamente subjetiva.

“Comer é também sentir. Não se trata apenas de ingerir calorias ou nutrientes. O ato de comer envolve memórias, emoções, crenças, identidade e contextos sociais. Por isso, quando há dor emocional, é comum que ela se manifeste através da relação com a comida.”

Quando o prato vira campo de batalha

Os transtornos alimentares mais conhecidos (anorexia, bulimia e compulsão alimentar) compartilham sintomas como distorção da imagem corporal, obsessão pelo controle de peso, sentimento de culpa após comer e estratégias compensatórias (como jejum, vômitos ou exercícios excessivos). Mas cada um carrega suas particularidades.

Na anorexia nervosa, a pessoa restringe severamente a alimentação, motivada por um medo intenso de engordar. A condição pode evoluir para quadros extremos de desnutrição e tem índice de mortalidade de até 20% entre os pacientes diagnosticados, sendo considerada a doença psiquiátrica com maior taxa de morte no mundo.

A bulimia nervosa, por sua vez, caracteriza-se por episódios recorrentes de compulsão alimentar seguidos de comportamentos como vômitos induzidos, uso de laxantes ou diuréticos. Estima-se que 1,5% da população brasileira sofra com a bulimia, embora o número possa ser ainda maior, já que muitos casos passam despercebidos por não apresentarem alteração visível no peso.

Comportamento alimentar: o corpo não come sozinho

De acordo com a professora Marta Valente, comportamento alimentar não é apenas ingestão de nutrientes ou calorias. É um conjunto de emoções, histórias, crenças, vivências e contextos sociais e culturais. Comer é um ato carregado de identidade, pertencimento e afetos e, por isso, também pode se tornar campo de dor, repressão ou compulsão.

“A chave para tratar os transtornos alimentares está em enxergar o paciente como um todo e não apenas sua dieta ou peso”, reforça Marta.

A especialista destaca ainda que traumas alimentares da infância, como dietas forçadas, bullying, punições ligadas ao corpo ou ao ato de comer, têm impactos profundos na vida adulta. Esses episódios formam raízes para padrões desorganizados, como comer emocional, compulsão ou restrição extrema.

Redes sociais, estética e culpa: o gatilho digital

Não é possível falar sobre o avanço dos transtornos alimentares sem considerar o papel da internet. As redes sociais se tornaram palco de exposição corporal e disseminação de padrões estéticos irreais, onde filtros, edições e ângulos criam realidades inalcançáveis, mas vendidas como referência.

Marta relata o caso de uma paciente que com anorexia e Indice de Massa Corporal (IMC) 16 que usava roupas largas para esconder o corpo. Apesar da gravidade, recusava tratamento por acreditar que ainda estava “acima do ideal”.

Esse tipo de distorção da autoimagem é comum nos transtornos alimentares. Nas palavras da professora, “a cultura da aparência está profundamente relacionada à saúde mental. Dietas da moda reforçam relações disfuncionais com a alimentação.”

O culto à magreza e às dietas milagrosas, aliados à ausência de orientação qualificada, agravam a vulnerabilidade de adolescentes e jovens adultos, que formam justamente o grupo mais afetado pelas distorções alimentares.

O papel da neurociência

O comportamento alimentar também é profundamente influenciado pela neuroquímica cerebral. Durante a alimentação, substâncias como dopamina, serotonina e endorfinas são liberadas, promovendo sensação de prazer, alívio e bem-estar.

Isso explica por que alimentos ultraprocessados e ricos em açúcar, gordura e sal geram conforto imediato e porque tantas pessoas desenvolvem uma relação de dependência emocional com a comida.

A professora Marta Valente explica que o sistema de recompensa do cérebro, especialmente os neurotransmissores dopamina, serotonina e endorfina, está diretamente ligado ao comportamento alimentar.

“A comida muitas vezes é um refúgio emocional, um alívio imediato. Mas isso pode se transformar em um ciclo de dependência”, afirma.

Essa dinâmica se intensifica com o consumo de alimentos ultraprocessados ricos em sal, açúcar e gordura. Estudos mostram que o vício em comida ativa o mesmo circuito cerebral do vício em drogas, gerando abstinência, compulsão e ansiedade na ausência do consumo.

Sinais de alerta: como reconhecer um transtorno alimentar

É comum que os primeiros sinais sejam percebidos por pessoas próximas, familiares, amigos ou professores. Fique atento a comportamentos como:

Anorexia nervosa:

  • Dietas cada vez mais restritivas;
  • Preocupação obsessiva com calorias;
  • Isolamento na hora das refeições;
  • Peso corporal muito abaixo do esperado;
  • Uso excessivo de roupas largas.

Bulimia nervosa:

  • Episódios de compulsão seguidos de vômito ou uso de laxantes;
  • Visitas frequentes ao banheiro após comer;
  • Prática de jejuns prolongados;
  • Exercício físico excessivo como compensação.

Compulsão alimentar:

  • Comer rapidamente grandes quantidades de comida;
  • Sentimento de culpa após comer;
  • Comer escondido ou em segredo;
  • Sensação de perda de controle.

Psiconutrição: uma abordagem integrativa e humanizada

A psiconutrição une os saberes da nutrição e da psicologia para entender o indivíduo em sua complexidade. Ao invés de focar apenas em dietas ou contagem calórica, o objetivo é restabelecer uma relação saudável com a comida e com o próprio corpo.

“O comportamento alimentar adequado e a psiconutrição podem mudar vidas. Precisamos parar de rotular alimentos como bons ou ruins. Essa moralização só agrava a culpa e o sofrimento de quem já vive um transtorno alimentar”, alerta Marta Valente.

A abordagem clínica envolve psicólogos, nutricionistas, médicos e psiquiatras. Práticas como mindfulness, atenção plena, educação alimentar gentil e escuta ativa são ferramentas importantes nesse processo.

SUS e rede de apoio: onde buscar ajuda

O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece atendimento para transtornos alimentares por meio da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) e os serviços de atenção primária são as portas de entrada. Apesar da existência da rede, há carência de profissionais capacitados e centros especializados.

Mais do que informar, é preciso acolher

Os transtornos alimentares não se curam com julgamentos, imposições ou fórmulas prontas. É preciso acolher, compreender e tratar com empatia e ciência. A psiconutrição mostra que cada história alimentar é única, e merece ser ouvida com respeito.

“Quando um paciente nos procura com sofrimento alimentar, ele não precisa de mais regras. Precisa de escuta, cuidado e orientação sem culpa”, conclui Marta Valente.

Leia também: Descubra como a Pós em Comportamento Alimentar pode transformar sua carreira na saúde

Cuidar de quem sofre começa com quem escolhe se preparar

Diante do crescimento alarmante dos transtornos alimentares, o mercado de saúde carece de profissionais preparados para atuar com competência e empatia nessa área tão sensível. Há uma grande lacuna na formação de especialistas capazes de compreender os impactos emocionais, culturais e neurobiológicos por trás da alimentação.

É nesse cenário que a Pós-Graduação em Comportamento Alimentar e Psiconutrição do IPOG se destaca. Com 432 horas de aulas online e ao vivo, a formação capacita nutricionistas, psicólogos e profissionais da saúde para tratar transtornos alimentares unindo ciência, sensibilidade clínica e ferramentas terapêuticas modernas.

O curso abrange desde neurociência, estética e saúde mental até práticas ambulatoriais reais, com uma metodologia baseada em casos, tecnologia e aprendizagem ativa. Se você quer transformar sua atuação profissional e ajudar pacientes a reconstruírem uma relação saudável com a comida e com o próprio corpo, esse é o momento certo para começar. Acesse mais informações aqui e matricule-se.

Artigos relacionados

Entenda como funciona a entrevista forense, técnica mostrada na série ‘Adolescência’ A série mais comentada de 2025 trouxe à tona uma prática pouco compreendida, mas essencial para o sistema de justiça: a entrevista forense. No terceiro episódio de Adolescência, da Netflix, a psicóloga Briony Ariston conduz uma entrevista com Jamie Miller, um ...
Como funciona a Avaliação Neuropsicológica em idosos? A população está vivendo por um tempo maior e isso é muito bom. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), uma pessoa nascida no Brasil em 2016 tem a expectativa de viver, em média, até os 75 anos. O estudo realizado em 2011...
Síndrome do impostor: o que é e como identificar No universo profissional e no estudantil não faltam pessoas capacitadas e talentosas que têm grande dificuldade de reconhecer as próprias habilidades. Elas rechaçam elogios e oferecem resistência em assumir os méritos de suas conquistas. O típico cenário da s...
Assessoria de Comunicação: Equipe de produção de conteúdo IPOG. Responsável : Bruno Azambuja - Gerente de Marketing - bruno.azambuja@ipog.edu.br