Sustentabilidade e Agronegócio precisam caminhar juntos

Calculado desde o ano de 1969 pela organização internacional Global Footprint Network (GFN), o Dia da Sobrecarga da Terra (Earth Overshoot Day) chegou bem mais cedo este ano: 1º de agosto. Mas o que isso significa?

Infelizmente, este cálculo revela que nos últimos sete meses de 2018 já utilizamos todos os recursos naturais – água, energia, minerais, vegetais – que o planeta consegue produzir para serem utilizados em um ano.

Estamos em dívida com a terra e este estouro de orçamento tem chegado cada dia mais cedo, a cada ano. Desde que o Dia da Sobrecarga da Terra passou a ser contabilizado, o 1º de agosto foi a data mais cedo registrada.

Só para se ter uma ideia, em 1971, registrou-se a data 21 de dezembro. Desde então, o cálculo expressa o quanto estamos explorando o planeta terra, minando os recursos naturais, gerando poluição e não dando tempo para ele “respirar”.

Brasil: um país que engatinha na sustentabilidade

Quando o Brasil passou a ser conhecido no mundo como colônia portuguesa, o foco de sua formação se deu no aspecto exploratório, seja de minérios ou pau-brasil. O país, desde o seu início, não foi construído na base da conservação e preservação, e isso ainda reflete atualmente.

É como explica o Professor e Pesquisador do Instituto Federal do Paraná (IFPR) Frederico Fonseca da Silva. Ele, que é doutor em Irrigação e Meio Ambiente, e trabalha com Agronegócio desde o ano de 2002, aponta o Brasil como um país que olha com pouca atenção a questão da sustentabilidade em relação a outros países.

Em questão de sustentabilidade o Brasil se encontra em uma posição inferior. Muitos países possuem um foco maior nesse quesito, tratam a produção, o lixo urbano, a gestão e implantação de agroindústrias, por exemplo, sob um olhar sustentável”, explica.

Desta forma, se o conceito formador do Brasil é de exploração extrativista, segundo o prof. Frederico, essa mesma tônica se aplica quando se discute o agronegócio ou agroindústria, duas das áreas que mais contribuem para a economia do país.

E se faz importante tocar neste ponto, pois o agronegócio, além de ser um dos principais segmentos que compõem o PIB brasileiro, também possui a sua parcela de culpa na degradação e poluição do meio ambiente.

Felizmente existem indústrias, agroindústrias ou determinadas propriedades que trabalham com mecanismos sustentáveis, no entanto, o prof. Frederico aponta a necessidade de o país investir em sustentabilidade de forma ampla, em grande escala.

Principais impactos ambientais do Agronegócio

Novas técnicas produtivas, a utilização de agrotóxicos e outros insumos, a mecanização, os processos agressivos de cultivo e colheita de culturas têm gerado impactos como os abaixo:

  • Desmatamento;
  • Poluição atmosférica;
  • Poluição dos solos e da água;
  • Erosão e assoreamento dos rios;
  • Diminuição da biodiversidade;
  • Geração de resíduos.

Nesse sentido, o professor coloca que, mesmo o Brasil sendo referência no agronegócio mundial, o seu potencial só será amplamente considerado caso a agricultura e a agroindústria tenham como princípios a conservação e a preservação.

Eu não acredito em um agronegócio exploratório, que não queira discutir reserva legal, que ainda insiste em queimadas, que não queira discutir a proteção das nascentes, dos mananciais, das margens…”.

Lembra do estudo da GFN citado no início deste texto? A organização também calculou as “pegadas de carbono” por país e considerou o desmatamento, sobrepesca, escassez de água doce, poluição, erosão do solo, perda da biodiversidade e acúmulo de dióxido de carbono na atmosfera.

O Brasil estourou o seu limite bem antes de agosto: no dia 19 de julho. Nesse sentido, o professor ressalta a importância de nos questionarmos sobre a diminuição da emissão de gás de carbono e o que podemos fazer para tornar zero este índice.

Investimento verde

Conforme já foi dito, como o Brasil não possui em sua gênese uma preocupação sustentável, é natural que o agronegócio e a agroindústria não deem atenção ao investimento verde. “Precisamos crescer e muito nesses dois segmentos, num ponto de vista sustentável”, afirma o professor.

O Brasil já conseguiu mostrar ao mundo o seu potencial produtivo. É um país que, como aponta o prof. Frederico, já conseguiu ultrapassar os Estados Unidos na produção de soja, é líder mundial na produção de cana de açúcar, laranja, café e tantos outras culturas.

O que resta ao nosso país, portanto, é mostrar para nós mesmos e para o mundo que o Brasil é capaz de produzir essas culturas de forma sustentável.

O papel do governo

De forma breve, o professor explica que o governo tem um papel fundamental no processo de elaborar práticas e soluções sustentáveis, uma vez que a conservação de solo, água, a geração de coprodutos e redução de desperdícios perpassam por políticas públicas.

Ele ressalta a importância de considerar pontos como os elencados abaixo:

  • Desenvolvimento de pesquisas que possam apontar práticas sustentáveis na dominação dos solos salinos e rasos da região nordeste, por exemplo;
  • Definição de políticas de recuperação de solos degradados ou em processos de degradação;
  • Definição de políticas de conservação e de compensação financeira das nossas matas;
  • Desenvolvimento de políticas governamentais, sejam de cunho federal, estadual ou municipal;
  • Participação ativa do setor produtivo, do setor privado e governamental na elaboração de práticas sustentáveis nas unidades de produção, por exemplo;
  • O exercício prático de tudo aquilo que já foi descoberto pela ciência como benéfico ao meio ambiente;
  • Atribuição de valor e importância aos resíduos, aos subprodutos, para torná-los tão rentáveis quanto os produtos principais, a exemplo do etanol que se tornou tão importante quanto o açúcar.

Eleições 2018 e a sustentabilidade no agronegócio 

De acordo com o jornal Estadão, em matéria publicada no último dia 3 de agosto, um grupo de 170 entidades do agronegócio, incluindo ONGs ambientais, se reuniu para lançar aos presidenciáveis um documento com 28 propostas, das quais podemos citar:

  • Incetivos para aumentar a produção de alimentos de forma sustentável;
  • Modernizar as práticas agropecuárias e fortalecer a preservação ambiental;
  • Alternativas para a recuperação de áreas degradadas;
  • Atração de investimentos nacionais e internacionais;
  • Sugestões para melhorar o financiamento à produção sustentável;
  • Recuperação da cobertura florestal em áreas de recarga dos aquíferos de  bacias hidrográficas;
  • Estender o monitoramento ambiental ao Cerrado, à Caatinga, ao Pantanal e aos Pampas.

(Neste link é possível acessar o documento completo!)

São ações como esta que demonstram o que o professor Frederico aponta como a tendência e a necessidade de o mundo exigir cada vez mais práticas e produtos mais sustentáveis.

Seguir exemplos e investir em sustentabilidade

O professor cita o exemplo de Israel, único país do mundo que tem aumentado a sua área verde significativamente, além de reutilizar a água em 100% na irrigação de culturas.

Quando falamos em práticas sustentáveis, são exemplos dessa natureza que precisamos seguir, como de Israel, um país que possui uma agricultura invejável aos olhos do mundo.”

Como aponta o prof. Frederico, o Brasil precisa deixar de ser referência apenas no agronegócio exploratório, para passar a ser um agronegócio sustentável. “E quando chegar este momento, ai direi que estamos investindo nesse quesito”, finaliza.

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Frederico Fonseca: Engenheiro agrônomo, Doutor em irrigação e meio ambiente, Doutor e pesquisador do Instituto Federal do Paraná. Membro da Comissão do MEC para assuntos de agro-indústria. Professor do MBA Agronegócio e Agroindústria com ênfase em sustentabilidade do IPOG.