Sigilo médico e a requisição judicial: apontamentos à recente declaração de ilegalidade de normativas do Conselho Federal de Medicina

Close up of doctor's hands writing prescription. Healthcare and medical concept

A intimidade da vida privada e a confidencialidade das informações referentes a uma pessoa são direitos reconhecidos e garantidos no seio do direito constitucional brasileiro e no âmbito das normas infraconstitucionais do País. E na área da saúde, o sigilo médico é um dos princípios éticos mais rígidos que devem ser seguidos pelos profissionais da medicina.

Nesse contexto, para aprofundar nesse assunto de extrema importância para a classe médica, a advogada do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, membro da Comissão de Direito Médico, Sanitário e Defesa da Saúde da OAB/GO e aluna do IPOG do curso de aperfeiçoamento de Gestão/Negócios, Ingrid Carvalho de Oliveira, escreveu para o blog um artigo exclusivo sobre sigilo médico e a requisição judicial mediante a recente declaração de ilegalidade de normativas do Conselho Federal de Medicina. Confira!

Código de Ética Médica

No campo ético direcionado ao profissional da medicina, vale destacar o disposto pelo artigo 9º da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, o qual além de citar expressamente o dever ao respeito à privacidade dos indivíduos e ao assecuramento da confidencialidade de informações, ainda direciona que o conhecimento advindo sobre o estado de saúde ou informes clínicos de outrem não deve ser utilizado ou revelado para outros propósitos que não aqueles para os quais foi coletado ou consentido.

Diante de tal conteúdo de força axiológica, o Código de Ética Médica dispôs ser vedado ao médico revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício profissional, estabelecendo, porém, ressalvas à citada proibição, como a hipótese de reconhecimento de motivo justo para a revelação; existência de dever legal ou consentimento por escrito do paciente,

Normativas do Conselho Federal de Medicina

Notadamente, o Conselho Federal de Medicina afastou-se do conceito absolutista de sigilo profissional, o qual ensejaria a hipótese de sigilo incondicional, sem a manutenção de exceções a quebra da confidencialidade, tendo a referida Autarquia adotado o conceito relativo, que dispõe de permissividades expressamente especificadas para a citada revelação.

Em virtude da adoção do conceito relativista referente à quebra de sigilo profissional, o artigo 4º da Resolução 1.605/2000 definiu, em relação a aspectos judiciais, a hipótese de resguardo de informações relativas a pacientes, ao estabelecer que, em caso de requisição judicial a conteúdo de prontuário ou ficha médica, o profissional da medicina requisitado haveria de disponibilizar tais documentos diretamente a perito nomeado por magistrado, a fim de que fosse realizada perícia delimitada aos fatos em questionamento no âmbito do processo judicial. No mesmo sentido do artigo 4º da resolução citada, direcionava-se o parágrafo primeiro do artigo 89 da Resolução 1.931/2009.

Fatalmente, iniciou-se um debate sobre a possível restrição em desfavor da autoridade judicial na obtenção do pleno acesso do conteúdo probatório relativo a documentos relacionados a pacientes, limitação esta que, por advir de normativa do Conselho Federal de Medicina, estaria, flagrantemente, a desrespeitar o princípio da legalidade, visto que qualquer ressalva à atuação jurisdicional deve vir expressamente definida em lei ou em conteúdo constitucional.

Em meio ao debate, o Ministério Público Federal entendeu por propor uma Ação Civil Pública que objetivasse a declaração da inconstitucionalidade do artigo 4º da Resolução do 1.605/2000 e do parágrafo 1º do artigo 89 da Resolução 1.931/2009, sob argumento de que tais normativas estariam a limitar o acesso a prontuários e fichas médicas quando da decretação de quebra de sigilo profissional por juiz competente.

Ao entender por prudente a pontuação arguida, o Poder Judiciário acolheu a alegação ministerial e declarou a ilegalidade do artigo 4º da Resolução 1.605/2000 e do parágrafo 1º do artigo 89 da Resolução 1.931/2009, direcionando-se o atual entendimento pela possibilidade do magistrado a obter total acesso a documentos referentes a pacientes, respeitando-se, claramente, às disposições referentes ao direito à privacidade e à confidencialidade das informações recebidas.

Sigilo médico

Em decorrência da decisão judicial, o Conselho Federal de Medicina procedeu com o encaminhamento de nova orientação a profissionais médicos e estabelecimentos de saúde, os quais deverão atender às determinações judiciais e encaminhar prontuários, fichas médicas, relatórios e quaisquer documentos equivalentes, diretamente à autoridade judicial, sempre que requisitados, não cabendo mais a alegação de suposta hipótese de quebra indevida de sigilo profissional em decorrência do não encaminhamento imediato a médico perito designado por magistrado.

Desse modo, até que se obtenha o trânsito em julgado da ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal, o envio direto à autoridade judicial, no que concerne a documentos referentes a pacientes, revela-se como adequação normativa imediata a uma das exceções de quebra de sigilo médico descritas no artigo 73, caput, do Código de Ética Médica, materializada na hipótese do dever legal, fato que autoriza ao profissional da medicina a revelar diretamente ao magistrado fato relativo a paciente, sob a guarida do dever legal.

Ocorre, porém, que não se pode perder de vista que o principal interessado é o paciente, o qual é o legítimo titular das informações descritas em assentamentos de confecção médica e que deve ver respeitados os direitos referentes à privacidade, à intimidade e à confidencialidade da vida privada, abarcando o direito ao sigilo do estado de saúde.

Requisição judicial

Assim, justo e recomendável que se descreva em prontuário qualquer requisição judicial que seja efetivada referente a pedido de entrega de documentos relativos ao paciente, respeitando-se o indivíduo como ser dotado de direitos, bem como a descrição contida no artigo 73, caput, do Código de Ética Médica, que dispõe uma das exceções à quebra do sigilo médico, que haveria de ser materializada pela autorização escrita do paciente e que, porém, vê-se, forçadamente, substituída pelo interesse e poder jurisdicional, no contexto da imediata entrega de documentos à autoridade judicial.

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