O que a tragédia de Brumadinho tem a ensinar aos Engenheiros?
Novamente outra tragédia assola Minas Gerais. No dia 25 de janeiro, funcionários da mineradora Vale e moradores do município mineiro de Brumadinho foram atingidos pelo rompimento da barragem Córrego do Feijão.
O resultado? Mais de trezentos desaparecidos, situação ambiental calamitosa, que ocasionou, inclusive, a morte do Rio Paraopeba, e consequências sociais e ecossistêmicas irreversíveis.
Segundo a Vale, “as causas do rompimento estão sendo investigadas e serão comunicadas com transparência na maior agilidade possível”.
E nós, como profissionais, o que podemos aprender tecnicamente com o rompimento de outra barragem de rejeito de minério, um pouco mais de 3 anos da catástrofe no município de Mariana em Minas Gerais?
O desastre ambiental e humano de Brumadinho convida aos Engenheiros a refletirem no sentido de reverem os conceitos técnicos e práticos, no intento de reconhecer o que foi aprendido durante a formação e o condicionamento desse aprendizado no dia a dia, sobretudo, os métodos impostos pelo mercado.
Quando cinco profissionais, entre Engenheiros e funcionários da Vale foram presos, algumas questões ficaram abertas por conta da indeterminação sobre os fatos que levaram ao rompimento da barragem.
É difícil mensurar o papel dos profissionais de engenharia ou arquitetura com bases em notícias de caráter duvidoso, poucos fatos comprovados e, principalmente, a falta de indicadores que caracterizam a responsabilidade sobre a estrutura real da barragem.
Entretanto, alguns fatos precisamos constatar:
- a barragem em alteamento a montante é considerada um dos métodos mais antigos e menos seguros, sendo até mesmo proibida no Chile e extinta na maioria dos países da Europa;
- segundo a Vale, essa barragem, conhecida como Mina do Córrego do Feijão possui 43 anos;
- os rejeitos dispostos ocupavam um volume de 11,7 milhões de metros cúbicos;
- segundo a British Broadcasting Corporation (BBC), a Vale possuía Declarações de Condição de Estabilidade emitidas pela empresa TÜV SÜD do Brasil em junho e setembro de 2018.
Mesmo com a alegação de que a barragem estava sob condição de estabilidade, é possível que uma estrutura como a de Brumadinho ceda a qualquer momento ou esse colapso poderia ser evitado?
A explicação parte do Professor Sérgio Botassi, que esclarece:
“Houve o acidente de Mariana e agora Brumadinho. Será que mesmo depois desse tempo ocorreu uma indulgência e omissão grave por parte dos órgãos ambientais e das próprias empresas que são responsáveis pelo acompanhamento e estabilidade dessas barragens?
Nós, profissionais de engenharia, assumimos vários riscos ao longo da profissão. Qualquer obra de engenharia tem vida útil e possibilidades de falhas que devem ser controladas e corrigidas com o acompanhamento de um profissional.
Porém, em um contexto como o da Barragem Córrego do Feijão, que em seu entorno mantém comunidades e áreas administrativas da empresa, deve-se levar em consideração as seguintes questões:
- qual é a chance desse evento acontecer: alta ou baixa?
- qual é o impacto que será gerado no meio ambiente, na vida humana e na ordem econômica?
Esses riscos devem estar vinculados aos impactos que ela pode causar e não na probabilidade de isso acontecer, ou seja, deve ser estudado para livrar-se dessas questões e não para que continue em funcionamento correndo o risco de rompimento.
O que precisa ser reavaliado são os protocolos governamentais e as engenharias reconhecidas como seguras. Não pode haver um tipo de barragem, que caso venha acontecer esse tipo de rompimento, ponha em risco a sociedade e questões ambientais.”
Por que os Engenheiros foram presos?
Os Engenheiros Makoto Namba e André Yassuda, bem com os funcionários da Vale, Cesar Augusto Paulino Grandchamp (Geólogo), Ricardo de Oliveira (Gerente de Meio Ambiente Corredor Sudeste) e Rodrigo Artur Gomes de Melo (Gerente executivo do Complexo Paraopeba) foram presos a pedido da Justiça de Minas Gerais, em 29 de janeiro de 2019, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, sob suspeitas de responsabilidade na tragédia da barragem 1 da Mina do Feijão.
Os dois Engenheiros eram funcionários da empresa TÜV SÜD, que prestavam serviço para a mineradora Vale e estão sendo investigados por suspeita de fraude nos documentos que liberaram o funcionamento da barragem, pois, incidem nos crimes contra o meio ambiente, falsidade ideológica e homicídio qualificado.
A juíza Perla Saliba Brito assevera em entrevista para o Jornal Nacional que segundo “especialistas há sensores capazes de captar, com antecedência, sinais do rompimento”, o que leva a concluir que haviam possibilidades de se evitar a tragédia.
O principal alvo da investigação é o Engenheiro Makoto Namba, responsável pela assinatura do relatório que atestou baixo risco de funcionamento da barragem em Brumadinho.
Nos resultados mais acessados do Google sobre o tema, conta um abaixo-assinado destinado ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA), solicitando soltura dos dois profissionais. O texto de defesa traz o Engenheiro Namba como vencedor do prêmio de gestão de risco geotécnico de barragens de rejeito concedido pela Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica (ABMS) em 2018.
Até o momento, o abaixo-assinado conta com 6.259 visualizações e apenas 86 assinaturas.
Entenda como funciona a barragem da Mina do Feijão
A barragem do Córrego do Feijão é uma barragem de rejeitos de minério de ferro. Elas são estruturas projetadas para armazenar resíduos resultantes da separação do material de valor comercial, ou seja, um método chamado de beneficiamento.
Na barragem era utilizada uma tecnologia de construção comum nos projetos de mineração iniciados nas últimas décadas por seu baixo custo e praticidade de ampliação conforme o volume de rejeitos.
Entretanto, o método chamado de alteamento a montante é considerado por especialistas como uma opção menos segura e mais propensa a falhas. Sendo, inclusive, a mesma técnica utilizada na barragem de Fundão da Samarco, rompida em 2015 em Mariana (MG).
De acordo com a entrevista concedida para o G1 pelo pesquisador da UFMG e especialista em engenharia hidráulica, Carlos Barreira Martinez, o sistema não é seguro, pois utiliza o próprio rejeito para contenção do material depositado:
Estamos utilizando uma técnica de depósito de rejeitos que embute um certo risco, principalmente quando há uma elevação muito rápida das barragens, diz o pesquisador.
Para o professor Sérgio Botassi, a melhor forma de analisar uma barragem como essa é: reavaliar essas referências técnicas e procurar melhorar com avanços e níveis de desempenho, qualidade e menor custo, mas se preocupando com durabilidade e segurança. Muitas vezes o profissional que está na graduação está sendo formado de forma robotizada, sabe fazer o cálculo e a análise, porém não questiona se aquela forma de fato é é a melhor, além de não propor melhorias.
Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM) há 218 barragens no Brasil, sendo 43 no estilo “a montante”. Além disso, a Vale anunciou que irá eliminar 19 barragens construídas com esse modelo em Minas Gerais nos próximos três anos.
Minas Gerais possui índice assustador de barragens sem estabilidade
No Brasil, existem 3.387 barragens enquadradas na Categoria de Risco (CRI) alto ou com Dano Potencial Associado (DPA) alto. Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), mais de 200 barragens em Minas Gerais são classificadas como de alto potencial de dano e cinco como de alto risco.
Essas barragens ficam nas cidades de Riacho dos Machados (Região Norte do estado mineiro), Ouro Preto e Itabirito (Região Central) e duas em Rio Acima (Região Metropolitana de Belo Horizonte).
Assim como a barragem de Brumadinho, as classificadas como alto potencial de dano são de contenção dos rejeitos de minério, além de produção de energia elétrica, disposição de resíduos industriais e, por fim, de usos múltiplos de água.
Construção de casas e estradas: um destino nobre para os rejeitos das barragens
O Correio Braziliense divulgou após desastre ambiental, estudo realizado por pesquisadores da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, que destina fins nobres aos rejeitos produzidos pela atividade mineradora e armazenados em barragens inativas e futuramente desativadas do estado.
Em 2015, os cientistas e estudantes desenvolveram uma tecnologia que pode transformar os rejeitos estéreis de mineração de ferro, bauxita, calcário e fosfato em matéria-prima para construção de estradas e casas.
Os rejeitos podem ser utilizados para a fabricação de tijolos, blocos, vigas, passeios e até mesmo areia, sistema que auxilia na indústria de vidros e chips de computadores.
A unidade concentrada no Laboratório de Geotecnologias e Geomateriais (LGG) do Centro de Produção Sustentável da UFMG (CPS) possui planta-piloto de calcinação flash com capacidade para produzir 200 kg/hora.
De acordo com o estudo, com os rejeitos da Barragem do Fundão, em Mariana, seria possível construir 120 vilas com 200 casas de 46m² ou produzir base e sub-base para 3.500km de estradas.
Será esse o futuro e destinação de rejeitos de barragens inativas e com alto potencial de dano?
Esperamos que seja! E você, o que acha da pesquisa e da posição dos engenheiros nas minerações do Brasil?