Ao receber a missão de entregar um projeto de Design de Interiores Residencial, o desafio é muito maior do que apenas pensar na organização do espaço da maneira mais otimizada possível, ou então, saber orientar na escolha dos móveis.
É preciso conhecer quem vai morar neste lar, suas preferências, ou seja, um processo muito mais profundo e que exige conhecimento.
Por isso, convidamos quem tem experiência neste assunto para falar sobre o tema: Miriam Runge, Arquiteta e Urbanista, Especialista em Design Mobiliário, e também Professora IPOG. Vamos conferir o que ela diz sobre Design de Interiores Residencial:
Conceber interiores residenciais é uma tarefa delicada e especial dentre as diversas modalidades da arquitetura.
Trabalho nesta área de interiores residenciais há mais de 20 anos e já presenciei diversas ocasiões onde o projeto e o design da arquitetura eram solicitados de maneira ímpar para atender a uma necessidade específica daquela família. Um processo delicado, já que implica em expor uma família, indivíduo ou casal ao universo de possibilidades infinitas da arquitetura e expor igualmente o arquiteto à intimidade de seus ocupantes moradores.
Experiências com o Design de Interiores Residencial
Já me foi dada a oportunidade de projetar espaços para o hoje e para o amanhã incerto, ou para resolver uma situação específica.
O marido que precisava dormir em outro quarto por um problema de saúde, mas que não deveria ser mostrado à família e amigos. A casa para ostentar, a lareira falsa, com iluminação apenas decorativa, para satisfazer o desejo do cliente. A reforma do estar para que o marido não mais trabalhasse na mesa de jantar. A casa enorme e eterna, finamente detalhada e projetada, que deveria ser para a vida toda, mas que depois da separação do casal perdeu o sentido e nunca foi terminada.
E as casas das famílias que querem morar, ocupar os espaços de forma feliz, o que me faz chegar a conclusão de que é mais “fácil” (será?) projetar espaços para pessoas felizes, realizadas, ou que sabem bem aquilo que desejam.
Onde existe um conflito, ele vai se manifestar na arquitetura de interiores, principalmente
Isso porque se lida com o centímetro de cada espaço, com a cor, a sensação e a textura. São os dois lados de um mesmo espelho onde cada um precisa ocupar sensivelmente o lugar do outro para poder definir a melhor solução e também poder entender e aceitar esta solução a longo prazo.
O tempo e o projeto de Design de Interiores Residencial
A Arquitetura residencial é pensada para muito tempo. Sua vida vai evoluir e a arquitetura precisa se adaptar. A casa não é construída apenas para satisfazer o hoje e sim para os diversos anos que estão por vir.
É preciso deixar algum espaço também para as mudanças que vão ocorrer, para os novos sonhos e até mesmo para as novas pessoas
Diferente da arquitetura comercial ou corporativa, onde temos referências concretas e um mundo de oportunidades variadas, o design de interiores residencial lida com um micro mundo onde muitas vezes não há referências além de uma casa da infância a ser compartilhada.
Quando Le Corbusier analisou as formas de morar e trabalhar no livro Por uma Arquitetura, ele disse:
A casa é uma máquina de morar assim como o automóvel, o navio e o avião eram máquinas de se deslocar. Em um pensamento modernista que buscava com que o homem se identificasse com sua casa da mesma forma que se identificava com suas máquinas
A casa evoluiu
A tecnologia hoje nos permite avanços de comunicação com o lar estático de qualquer lugar do mundo. Podemos comandar nossa casa através da automação com um simples toque na tela de um celular.
Seria esta a verdadeira máquina de morar a que Corbusier se referia?
A casa é um refúgio pessoal, é onde chegamos todos os dias para repor as energias, é onde precisamos incondicionalmente nos sentir bem. É o porto seguro de diversão, calma, tranquilidade e descanso.
O local e a forma como se mora são referências de quem nela habita
Podemos conhecer uma pessoa apenas observando e analisando o local em que mora, suas cores, objetos, escolhas pessoais que implicam em uma personalidade intrínseca a demonstrar toda uma história e estilo de vida.
Para terminar, mas não para concluir, a psicanalista e especialista em configurações vinculares, Ariane Severo, escreveu em seu livro O Suave Mistério Amoroso (2014), onde fala com maestria da relação do indivíduo com o espaço residencial que o cerca :
“Por isso, arquitetos que estudam a psicologia ambiental recomendam que talvez não se deva construir a casa dos sonhos de imediato, mas que deva ter a possibilidade de ir se modificando, se expandindo, conforme nossas necessidades ao longo da vida conjugal ou familiar. A compreensão do sentido de uma casa é complexa, densa , pois possui muitos significados, reunidos em um pequeno espaço, o que a torna profunda. O estudo das casas nos permite entender a identidade entre os espaços e seus moradores e ilumina a conexão com nosso mundo interior, com nossa própria vida…” (pag. 222 e 223)
Portanto, “diga-me como moras e te direi quem és!!”
Se você gostou deste artigo, leia também o texto que aborda O que a decoração dos lares fala sobre seus moradores? E é claro, deixe seus comentários abaixo.