Entenda a diferença entre Coaching e Psicoterapia
A ficção tem causado polêmicas na realidade. Na novela “O outro lado do Paraíso”, de Walcyr Carrasco, a personagem Laura (Bella Piero) é orientada a procurar um profissional de coach e hipnose para descobrir se algum trauma psicológico explica a dificuldade que ela tem em momentos íntimos com o marido. A orientação para Laura e a decisão de atender por parte da personagem que atua como coach na novela provocaram uma série de questionamentos sobre qual a diferença entre coaching e psicoterapia. Afinal, qual o real objetivo de um processo de coaching? E qual a diferença entre o coaching e a psicoterapia?
Para ajudar nessa compreensão, o Blog IPOG convidou a coordenadora do MBA Coaching Essencial Aplicado, Dorothy Irigaray para uma entrevista.
Diferenciando Coaching e Psicoterapia
Alguns dizem que a psicoterapia lida com o passado e o coaching com o futuro, mas Dorothy Irigaray discorda: “Essa é uma definição simplista. Por isso é tão difícil fazer uma distinção.”
A psicoterapia muitas vezes vai nessas questões que trouxeram um significado para o presente, que foram formadas em outros momentos da vida desse individuo. só que ela vai em um nível de profundidade de mergulho e isso pode gerar comportamentos desadaptativos durante um tempo, pode também gerar outros tipos de respostas que o psicólogo está preparado para lidar e apoiar o seu cliente nesse sentido.
Já o Coach não tem conhecimento suficiente nessa área, não tem ferramentas para lidar com isso e não tem legalidade. O profissional que decide trabalhar com esse tipo de abordagem pode ser acionado pelo exercício ilegal da profissão de psicoterapeuta.
Para esclarecer um pouco mais essa discussão, confira a entrevista:
1) Blog IPOG: Qual foi a polêmica ocasionada pela novela?
Dorothy Irigaray: A confusão que surgiu a partir da novela é porque ela retrata o Coaching como uma alternativa para tratar possíveis traumas psicológicos, que envolvem uma série de dores psíquicas e confusões, que podem inclusive vir a revelar transtornos de personalidade ou gerar transtornos psiquiátricos.
2) Blog IPOG: Qual o papel do Coach?
Dorothy Irigaray: O papel do coach é auxiliar o seu cliente a se desenvolver e superar algumas dificuldades na hora de lidar com certas situações e desafios diários. Sempre com a perspectiva de crescimento na própria vida ou na carreira. Também é uma opção para quem quer alcançar alguns resultados como no caso do emagrecimento, o qual inclusive é citado pela personagem da novela.
O coaching ajuda a identificar qual a estratégia compatível com o perfil de cada pessoa.
Eu costumo dizer que no processo de coaching nós vamos ajudar o indivíduo a ampliar os seus recursos internos, a ampliar as suas possibilidades de lidar com os desafios diários, como se fôssemos aumentar a sua caixa de ferramentas.
3) Blog IPOG: Qual a diferença entre coaching e psicoterapia?
Dorothy Irigaray: O coaching tem uma estrutura definida. Trabalha com identificação de objetivos, com o mapeamento de características do indivíduo, pontos de desenvolvimento, planos de ação. Tudo bem específico de acordo com os objetivos definidos pelo próprio indivíduo. Além disso, o processo tem um tempo para acontecer, como por exemplo em algumas abordagens, 3 meses.
Já a psicoterapia vai dar uma mergulho na psique do indivíduo para ajudá-lo a lidar com esses questionamentos. Como essa investigação, às vezes, pode ser muito dolorida e muito sofrida, não existe um tempo predeterminado porque o tempo é o tempo de cada pessoa.
O papel da psicoterapia é auxiliar o indivíduo a mergulhar nessas dores para entender o que tem dificultado que ele tenha uma vida mais adaptativa e realizadora.
Às vezes, eu recebo clientes para o processo de Coaching e durante o processo percebo a necessidade do acompanhamento de um psicoterapeuta. Isso acontece. Às vezes a pessoa vem procurando o acompanhamento de um coach, mas ao longo do processo surgem algumas questões e é aí que o profissional precisa ter clareza de que se trata de algo que não é da sua área, principalmente se ele não for um psicólogo.
Não é da sua competência fazer esse tipo de investigação. No meu caso, encaminho para a psicoterapia, porque eu não atendo como psicoterapeuta. O Coaching foi o que eu achei como meu caminho como psicóloga para ajudar as pessoas a se desenvolverem. Portanto, o próprio profissional precisa ter clareza sobre a diferença entre coaching e psicoterapia.
4) Blog IPOG: O coach pode aplicar hipnose, como acontece na novela?
Dorothy Irigaray: Não é uma característica do trabalho do coach aplicar a hipnose. Existe uma abordagem que é a hipnose ericksoniana, que não é a abordagem clássica da hipnose, que auxilia na criação de um ambiente favorável para a reflexão e relaxamento do coachee, mas tudo isso em um estado consciente, em que ele fica mais tranquilo pra fazer suas reflexões. Agora, apenas um hipnoterapeuta, formado, pode aplicar a hipnose como estratégia de terapia.
5) Blog IPOG: O que estamos vendo na novela (“funções trocadas”) acontece na realidade?
Dorothy Irigaray: Infelizmente acontece sim, mais por falta de conhecimento dos profissionais e por uma vontade grande de ajudar, do que intencional. Até porque eu acredito que talvez algumas escolas de coaching não deixem essa distinção [entre coaching e psicoterapia] bem clara
6) Blog IPOG: Que cuidados tanto os profissionais como as pessoas que procurar por tratamento (psicoterapia) ou acompanhamento (coaching) precisam ter?
Dorothy Irigaray: Ao procurar a psicoterapia deve-se ter o cuidado de buscar profissionais qualificados, com indicação reconhecida, que estejam regulamentados. No caso de psicólogos, por exemplo, checar se o profissional tem o registro do Conselho Regional de Psicologia. E no caso do psiquiatria, se ele é habilitado para atuar como psicoterapeuta.
No caso do Coaching, buscar profissionais que tenham passado por uma formação consistente, que demonstrem maturidade, que consigam explicar a fundamentação do coaching, de preferência, com formações que sejam credenciadas, como é o caso do Essential Master Coaching, em que toda a estrutura é baseada nas orientações da Federação Internacional de Coaching, a qual atualmente é a instituição mais respeitada da área internacionalmente. Ela orienta e norteia o trabalho dos coaches. Não fiscaliza porque não existe um órgão regulador, mas propõe um código de ética. E é importante que ele seja seguido pelos profissionais que atuam como coaches.
DICA: Se o coach começar a aconselhar, a dizer o que fazer e começar a dar sugestões sobre como resolver situações, isso não é coaching. Isso é um processo de aconselhamento, que pode acabar gerando dependência, ao invés de autonomia e crescimento sustentável, que é a proposta do coaching.
7) Blog IPOG: Qual o risco de uma novela, mesmo sendo ficção, difundir essa ideia?
Dorothy Irigaray: Primeiramente, eu vejo que é uma grande oportunidade para fazermos o que estamos fazendo agora. Esclarecer e disseminar informações de qualidade.
Por outro lado, por mais que seja uma ficção, a novela traz muitos conteúdos que são baseados na realidade. Dizer que a maioria não vai levar em consideração por se tratar de ficção é mais uma vez um ponto de vista simplista. Quem nunca ouviu falar de coaching por exemplo, terá a ficção como referência de realidade. Então existe uma responsabilidade sim da novela em fazer uma divulgação que seja correta, que oriente, que instrua.
Eles já fizeram isso antes, eu me lembro de algumas abordagens falando sobre dependência química, sobre o desaparecimento de crianças, entre tantos outros temas. Essas novelas prestaram um serviço de utilidade pública à população.
O Coaching veio pra ficar
Para Dorothy, o coaching veio pra ficar, pois é uma estratégia de desenvolvimento humano com uma estrutura muito sólida e fundamentada. No entanto, é preciso sempre trazer clareza à população sobre o que se trata para que pessoas continuem sendo motivadas ao desenvolvimento e não ao contrário.
Carta aberta ICI
Confira a carta aberta escrita por Rhandy Di Stéfano, Presidente do ICI – Integrated Coaching Institute, diante do ocorrido:
Nesta última semana recebemos muitas mensagens de nossos alunos e parceiros, indignados com cenas de uma telenovela, onde uma personagem com traumas de abuso sexual procura um coach (ao invés de um psicólogo ou um psiquiatra) para resolver estas questões emocionais.
O motivo desta indignação é o dano gerado por uma rede de tv, que preza pela seriedade, mas que neste momento prestou um grande desserviço à sociedade. Considerando o poder que a mídia tem de influenciar as percepções do povo, neste caso o impacto está sendo altamente negativo.
O contra-argumento aqui é que a novela é apenas uma obra de ficção. Porém, liberdade criativa não significa disseminar informação errônea. Em nome da ficção, não se colocaria um dentista para conduzir uma cirurgia cerebral, ou um neurocirurgião para tratar dos dentes de alguém – isso não seria ficção, mas propaganda enganosa.
Nas palavras de Maurcio Stycer: “Não é “só uma novela”. Nem só uma “obra de ficção, sem compromisso algum com a realidade”, como a Globo informa ao final de cada capítulo, mas o programa que tem um grande alcance no país. O impacto que produz nos espectadores é inegável”.
Com o propósito de ajudar a educar melhor aquele público que não conhece o assunto, temos a responsabilidade de separar o joio do trigo.
Na primeira aula do primeiro dia de nossos cursos de formação em coaching, um dos itens básicos que esclarecemos aos alunos é a diferença de coaching e psicoterapia. São profissões totalmente diferentes, com propósitos diferentes. Das 11 competências essenciais de um profissional em coaching, segundo critérios da ICF International Coach Federation, a primeira é a diretriz ética que separa coaching de consultoria e de psicoterapia. Esta é a competência sine qua non, para que o trabalho seja feito de forma ética.
O processo de coaching não tem o propósito de lidar com resoluções de traumas, fobias ou problemas de abuso, pois fogem da alçada e da competência profissional do coach. Seria irresponsável algum profissional querer se aventurar e tentar resolver questões para o qual não foi treinado. Também é irresponsável achar que existem fórmulas mágicas e simplistas para que se resolvam questões traumáticas.
O mais preocupante são profissionais que sofrem de arrogância epistemológica, onde tem pouco conhecimento e acham que podem mexer na vida dos outros, sem perceber que estão causando mais estrago do que solução. Pouco conhecimento aqui é mais perigoso do que não ter conhecimento algum.
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) publicou uma carta aberta com comentários relevantes sobre a cena da novela, seguido de comunicados de vários Conselhos Regionais de Psicologia, além do esclarecimento do ICF também repudiando o ocorrido. Assim, nos juntamos a este coro, para compartilhar a nossa indignação.
Como dito pelo CFP, escolas sérias de coaching deixam claro a total separação de coaching e psicoterapia. Temos uma grande porcentagem de alunos psicólogos que participam do nosso curso, justamente para aprender o processo de coaching como uma profissão diferente da profissão do psicólogo.
Não só é considerado antiética a mistura de processos, mas idealmente um psicólogo de formação, hoje atuando como coach e contratado como coach, evitaria tratar de questões de trauma, etc, caso não tenha sido contratado para tal, pois essa mistura o deixaria vulnerável a processos judiciais, como já vi ocorrer nos EUA. Neste caso, o melhor seria indicar a um outro psicólogo.
Ou seja, a ética e a formalidade devem permear o processo todo.
Coaching é uma das profissões que mais crescem, principalmente no mundo corporativo, onde grande porcentagem de executivos passam pelo processo buscando melhoria pessoal e profissional. Muitas das melhores universidades e MBA’s do mundo oferecem coaching aos alunos e executivos. Mas nunca com o propósito de resolver questões terapêuticas.
Não apenas isso, mas coaching pode ser considerado ideal para pessoas consideradas high functioning individuals, o que apenas quer dizer que o cliente não está impedido de funcionar perante a vida, em função de traumas ou abusos passados.
Coaching é uma profissão nobre, com o propósito de maximizar o desenvolvimento pessoal e profissional do indivíduo. O objetivo é ajudar a pessoa a ficar mais consciente de suas escolhas, de quais comportamentos a desenvolver, de como assumir responsabilidade pelas suas melhorias.
A Psicologia é uma profissão nobre, com profissionais treinados durante anos para lidar com traumas, transtornos, abusos, questões emocionais, as quais requerem cuidados especiais.
Que a nobreza destas profissões não sejam manchadas por informações enganosas e pessoas que não nos representam como profissionais.
Espero que este evento tenha ajudado a criar uma conversa necessária para que os profissionais de coaching e de psicologia ajudem a esclarecer melhor a sociedade. O Brasil merece ter muito mais de conhecimento e muito menos de oportunismos.
Rhandy Di Stéfano
Presidente do ICI – Integrated Coaching Institute
Mestrado em Psicologia pela Antioch University
MCC Master Certified Coach pela ICF – International Coach Federation”
(Foto: reprodução)