Somente nos dois primeiros meses de 2018 (janeiro e fevereiro), a Justiça do Trabalho somava 22.069 processos de Indenização por Danos Morais, segundo levantamento que trata dos assuntos mais recorrentes na JT, divulgado em abril.
No Ranking que acompanha o levantamento, o assunto em questão ocupa o 14º lugar de 1.117 posições (o primeiro, segundo e terceiro lugar estão ocupados pelos processos sobre Aviso Prévio, Multa do Artigo Nº 477 da CLT e Multa de 40% do FGTS, respectivamente).
O foco deste texto é justamente os Danos Morais, porque é muito comum que líderes e colaboradores tenham ainda muitas dúvidas em relação ao que sejam. Esse desconhecimento, consequentemente, contribui para que o dano ocorra dentro de uma relação trabalhista.
Nesse sentido, como trabalhar essa questão nas empresas? O que pode ser feito para que esse problema não ocorra? Quem são os responsáveis pela manutenção do clima organizacional e quais ferramentas/ações podem auxiliar para que o dano moral seja evitado?
Conversamos com especialistas das áreas de Direito e Recursos Humanos para trazer os principais pontos e discutir sobre um tema atual e que também foi alvo de mudanças na Reforma Trabalhista.
De início, o que são Danos Morais?
O professor do MBA Ciências e Legislação do Trabalho, Cleber Sales, explica que danos morais são aqueles que afetam os valores da pessoa, relacionados a dignidade, a honra e a imagem do indivíduo. São valores garantidos na legislação brasileira, a partir do que diz, por exemplo, o Inciso X (10) do Artigo 5, da Constituição Federal de 1988.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se as brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”
Segundo Cleber, danos morais caracterizam a “violação da intimidade no espaço do trabalho, a violação da dignidade, sendo possível ocorrer assédio sexual, assédio moral, violação a honra, dentre outros.”
O Professor também explica que dentre os tipos de danos mais recorrentes, existem aqueles que vão desde a restrição abusiva do uso do banheiro até situações mais graves como acidentes ou o próprio assédio sexual.
Aquele que passar por uma situação de ofensa e dano moral, tem à disposição a Justiça do Trabalho para abrir processo e reivindicar a indenização devida nos termos legais, a qual será deferida se a sentença reconhecer a prática.
O impacto da Reforma Trabalhista
Com a aprovação da Reforma Trabalhista, houve algumas modificações que impactaram diretamente os processos por danos morais. Agora, a nova lei estabelece que o trabalhador que ingressar com uma ação na Justiça do Trabalho, caso receba parecer desfavorável, terá de arcar com os honorários da perícia e dos advogados envolvidos na ação. O valor a ser pago, nesses casos, pode variar até 15% do valor da sentença.
Essa alteração fez com que os processos de ações trabalhistas diminuíssem significativamente após a aprovação da reforma. Segundo o Tribunal Superior do Trabalho, o número de ações, em uma média mensal, caiu de 200 mil para 84,2 mil em dezembro.
“Ações sobre indenização caíram entre novembro do ano passado e fevereiro deste ano. Não sabemos se essa queda será constante ou momentânea, mas ela reduziu. E o grande motivo é o medo de muitos trabalhadores terem que arcar com esses honorários”, afirma.
O enfrentamento do problema nas organizações
Professor do IPOG, Mestre em Psicologia e Especialista em Análise e Diagnóstico Organizacional, Milton Marinho explica que quando se fala de danos morais na perspectiva de gestão de pessoas, é possível tratar de dois pontos de vista, a saber:
O primeiro ponto: “este é humanista e propõe fazer com que a empresa seja um ambiente acolhedor, com clima organizacional favorável, a ponto de que danos morais não existam, não sejam aceitos e nem mesmo praticados”.
O segundo ponto: “nesse segundo momento, temos os gestores e demais profissionais que devem ser continuadamente sensibilizados quanto à evitação de danos morais, pois a empresa é obrigatoriamente responsável quando há a prática de dano moral em um ambiente organizacional”.
Assim, os dois pontos se fundem como prática da gestão de pessoas: que o profissional seja trabalhado a não agir de forma que gere o dano e que a empresa não aceite atitudes como estas.
Uma geração com traços inflexíveis
É um desafio. Ainda mais quando se considera as eventuais inflexibilidades e vulnerabilidades da geração atual, como aponta Milton. “A nova geração de trabalhadores apresenta aspectos imediatistas. Nesse sentido, quando se traz uma fala em prol de sua melhoria e desempenho no trabalho, o colaborador tende a levar para o lado do dano moral. Não é só porque houve uma fala mais severa que ela se concretiza como dano moral”, afirma.
O professor diz que dano moral apresenta características específicas, como tempo, frequência e constância desse dano. Portanto, pode-se dizer que um ato isolado necessariamente não constitui dano moral.
“Acho que é dado às pessoas o direito de – em certos momentos – não estarem bem, diante de momentâneas situações de estresse e eventuais desequilíbrios naturais das relações do e no trabalho. O que deve preocupar-nos é a constância”, aponta.
E qual deve ser o papel do líder?
Definitivamente o líder de uma organização precisa saber do que se trata um dano moral, para que ele possa modificar seus hábitos, suas condutas, a ponto de contribuir para o crescimento do colaborador e da instituição.
O líder precisa ainda, como explica Milton, saber lidar com pessoas e não apenas gerar resultados, mas também gerar relacionamentos.
“Uma liderança precisa ser colaborativa para ter sucesso. Um líder tem que se mostrar cuidadoso na arte de melhorar e se transformar”.
E como o profissional de RH pode atuar nessas questões?
Para o especialista, a ação do profissional de RH nessas relações é primorosa, pois ele consegue agir não só sobre o indivíduo, mas sobre a atmosfera da organização.“O profissional de gestão de pessoas é um cuidador de atmosfera. Um ambiente nocivo, degradante, que ridiculariza, é um ambiente onde pessoas não crescem”.
Dessa forma, o primeiro passo é também saber do que se trata o dano moral. Milton explica que existe um senso comum de que esse tipo de dano se dá apenas por ridicularização, hostilização, o falar mais alto. No entanto, a recusa de comunicação, por exemplo, também se caracteriza como dano moral.
“Quando você não tem voz ativa, quando o líder não permite que você fale, essa recusa também é um dano, é a anulação do sujeito”, diz.
Ele também traz a deterioração proposital das condições de trabalho como exemplo, isto é, quando o líder degrada o ambiente para o colaborador não entregar o que precisa entregar. “Te chamo de incompetente, mas eu não te dei os recursos para que você pudesse me entregar o trabalho”, exemplifica.
Contribuições de um RH
• Reconhecer danos morais e agir com mecanismos que possam evitá-los;
• Fazer formação constante de líderes e gestores, principalmente com aqueles que se recusam a falar com seus colaboradores;
• Reconhecer perfis de liderança, saber se os relacionamentos interpessoais estão harmoniosos ou não;
• Trabalhar o clima organizacional, que propõe ambientes mais harmônicos, relacionamentos mais aprazíveis e contribui no combate ao dano moral;
• Identificar as atmosferas e saber o que precisa ser melhorado e transformado.
Para Milton, está no papel do profissional de recursos humanos ser cuidador de gente e ser transmissor de informação. “São os papéis fundamentais do RH, em relação a um tema tão complicado quanto este dentro de uma organização”.
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